quinta-feira, 16 de junho de 2011

Dá que pensar...

Hello!
Hoje quero partilhar convosco uma história que me tocou muito...
Como já falei aqui anteriormente, sou assistente no serviço de urgência de um Hospital e lido diariamente com histórias dramáticas , trabalho lá há dez anos e como tal, com o tempo tive de saber adquirir barreiras que me permitissem abster do drama constante dos utentes que por lá passam... não é fácil, mas lá vou conseguindo...umas vezes melhor, outras nem por isso...
O meu segredo é nunca me deixar envolver nas histórias pessoais de cada utente. Auxilio-os sempre com profissionalismo, mas abstenho-me de perguntas e interacções pessoais .É claro que cada caso é um caso, e à situações com as quais me identifico e que não consigo deixar de me por no papel dos utentes, principalmente casos com crianças, ou doentes terminais, ou até de mortes súbitas...sao casos sempre complicados de gerir, por mais experiência que se tenha...e ainda não lido muito bem com isso, confesso que me deixo abater...
Ontem passou-se comigo um destes casos... e deixei-me levar...
Um homem de trinta e poucos anos,aparentemente saudavel, e com bom aspecto geral, entrou com um quadro de perda de sangue acentuada na urina...até aqui nada de novo, é relativamente frequente e geralmente com uma lavagem vesical  a situação compõe-se...é preciso fazerem-se exames de sangue, urina e exames complementares de diagnóstico, como por ex:ecografia para ver de onde vem a hemorragia...e é precisamente aí que tomo conhecimento da história de vida do doente,quando o levo a fazer uma ecografia.Este vinha acompanhado da esposa, também ela na casa dos trinta, que mostrava-se muito apreensiva e nervosa, apesar de o tentar esconder...o homem lá entrou para a sala para realizar o exame, e a esposa perguntou-me se podia entrar com ele ao qual eu respondi que não, pois os médicos gostavam de fazer o exame sozinhos com o doente, mesmo assim e notando que ela estava muito abalada perguntei ao médico se esta podia entrar, este respondeu-me que não e eu deixei a sala e vim ao encontro da senhora que estava na sala de espera... mal cheguei esta olhou-me nos olhos e disse-me ja bastante alterada que queria entrar porque o marido já era tão doente que já nem sabia ao certo o que tinha... e que ela é que estava ao par da situação uma vez que este já estava tão cansado de sofrer que já não tomava sentido nas coisas...e nisto desatou a chorar...e eu sem saber o que fazer ,disse-lhe para ela se acalmar, que não havia de se passar nada de especial...ela continuava a chorar e a dizer-me que não era justo o marido sofrer assim... tinha feito uma cirurgia cardíaca em 2007  para substituir uma válvula, esta cirurgia tinha sido muito complicada, exames para tras e para a frente, medicação, rotinas médicas, enfim...como se não bastasse, passado uns  meses diagnosticaram-lhe um cancro na bexiga!Pesadelo de volta e neste caso ainda pior: cirurgia, ciclos de quimioterapia, dores insuportáveis, qualidade de vida zero!Agora passado um ano,quando este homem pensava estar curado...volta a ter as mesmas hemorragias que levaram a detectar a doença...surreal... A mulher dizia-me que já não aguentava ver o marido a sofrer, que tinha de se fazer de forte por ele, que levava  com esse peso em cima, que era agonizante ver o marido a ter dores e ele sem o conseguir ajudar... disse que tinham uma filha de seis anos que não podiam acompanhar devidamente, devido a doença, que se tornava inevitavelmente o centro da vida deles, e que por isso tudo era secundário, inclusivé a filha...enfim... drama demais na vida deste jovem e bonito casal...e eu ali apanhada no meio daquelas emoções,sem saber o que fazer e tentando minimizar a dor daquela mulher com triviais palavras de conforto... tão pouco...para tanta dor...e por mais que me esforçar-se para sentir o contrário, por mais que disse-se á senhora que ia ficar tudo bem... não era o que sentia...alguma coisa de mal se estava a passar...talvez o pesadelo tivesse voltado...coitada daquela mulher que levava o mundo ás suas costas...tive compaixâo por ela... identifiquei-me com ela e apetecia-me chorar com ela...já eu suportei o mundo nas minhas costas quando a minha mãe ficou doente, e posteriormente faleceu...já eu sabia qual a sensação de ter de fingir que estava tudo bem, quando sabia que já nada havia a fazer...ja eu sabia qual a sensação de ver uma pessoa amada a sofrer de dores e não poder fazer nada...ja eu sabia a sensação de engolir o sofrimento e parar as lágrimas...até não aguentar mais...eu sabia...eu revivi o pesadelo...não é possivel alguem passar por isto sem arrancar um pedaço de nós....
O exame terminou, levei o senhor de volta á urgência,onde ele estava desde as 9 h, apesar da mulher só saber as 17h, visto que este não a quis preocupar(so sweet),eram 20h e ele ainda não sabia o resultado dos exames,ele esteve 12h a agonizar em dúvidas...tentando ele concerteza também parecer forte perante a esposa...que um homem não chora...vim embora sem saber o resultado...talvez fosse melhor assim...
Gostei apesar de tudo de conhecer este casal...tao frágil e tão forte...tão apaixonado e dedicado, pois é assim que um casal tem de ser...na saúde e na doença...
Isto tudo para nos relembrar que existem problemas nas nossas vidas, que não são nada...são zero...comparados a isto!
Don´t forget that!


P.S. É por momentos como os de ontem, quando pude reconfortar alguém que precisava muito de força e de  compaixão, ou simplesmente de alguém com quem partilhar as suas angústias num momento tão delicado...que dou valor ao meu trabalho...*e ouvir um "muito obrigada por tudo" vindo lá do fundo do coração, enche-me a alma de satisfação e de sensação de dever cumprido... well done*



Deixo-vos com esta imagem que retrata o sofrimento de um casal, na hora da morte...so beautiful...(romântica incorrigivel, again)...apoio e superação
         

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